A Internet é mestra em causar, e lá está Bright na berlinda, recebendo tomates podres voadores na testa ou sendo aclamado e ovacionando por outra banda.
Bright é mais uma aposta espetacular e vencedora da Netflix que entrega ao mundo o que o mundo quer. Temos no filme dirigido por David Ayer (ainda que Esquadrão Suicida não seja uma boa lembrança para quem gosta mesmo de histórias bem contadas) que é muito envolvente.
De largada temos coisas muito boas para se dar crédito como a criativa mistura de gêneros narrativos e a escolha de entrar “ongoing” num mundo rico em fantasia e com sua cosmogonia bem cuidada, percebemos nas camadas mais profundas que tem muita história para se contar e não me espantaria que o longa fosse só a plataforma de lançamento de uma longa série. É tanta informação nas entrelinhas que a gente fica tonto com as possibilidades, mas estamos presos ao roteiro de cento e dez páginas para um filme de uma hora e 15 minutos, onde cada linha conta e cada minuto de produção custa caro (orçado em US$ 90 milhões de dólares, cada minuto na tela custou então US$ 750.000 e cada segundo de arte exige US$ 12.500) os roteiristas tem que saber muito bem o que vão escrever (cada suspiro de orc pode custar uns US$ 9.000,00 fácil!). Dai, voltando ao crédito da largada para não perder o fio da meada, o roteirista Max Landis, já sai quente (ongoing, como disse), sem explicar muito de onde veio aquele mundo onde humanos, orcs, elfos, fadas, centauros e todo esse kit da fantasia europeia fornece aos trabalhadores de imaginar, nos colocando direto no banal da vida de Ward, um policial que, depois de cumprir uma licença por tomar um tiro no peito e sair vivo, volta ao trabalho ao lado seu parceiro indesejado, Jakob, um orc. Não “um” orc qualquer. É o primeiro orc policial, detestado por toda a corporação, exilado por seus semelhantes de raça, abaixo em todas as cadeias sociais dos humanos e fantásticos. Isso já dispara o discurso da obra (como Blomkamp faz com maestria em suas ficções maravilhosas como Chappie e Distrito 9) que é a discriminação das minorias mágicas em Bright. Os elfos, donos do dinheiro, dos cabelos lisos e de toda a fleuma no filme, são meio que os WASP enquanto “todo o resto” luta para defender o seu pão naquele mundo miscigenado com cores e diferenças que ganham relevo em cenários que seriam pitorescos se não fossem tão comuns no nosso dia a dia de “alternativos marginais do mundo”. Em cinco minutos já estamos inseridos nessa peça Noir, Fantástica, Kitchen Sink Drama e é uma DELÍCIA.
Há ali vapores poderosos de Dia de Treinamento, afinal de contas é a velha história de parceiro novo, parceiro velho e vivido, diferente de Denzel em Dia de Treinamento, O policial Ward, vivido por Will Smith é o contrário do caráter torto do primeiro. É justamente sua retidão, sua impossibilidade de andar fora do livro de regras que o coloca em maus lençóis quando atendem a um chamado que os colocam diante do evento incitante dessa jornada onde os dois amigos sairão transformados. A máxima proximidade se dá na cena do pai orc inciando o filho orc no mundo das gangues, mas não vou dar spoiler aqui, não sou desses.
Quando surge Chica, a elfa, é a chegada de Leeloo Dallas (multipassss!), o “perfect beeing” à obra. Existe muita visitação a tudo que conhecemos de bem feito no fantástico e no drama e veja bem, estou dizendo que existe visitação atávica, de nossa memória, não estou dizendo que são homenagens e muito menos cópia. Não me espantaria muito que o mundo do Big Data onde Netflix, HBO GO, Prime Vídeo nadam não entregasse um bilhete com uma série de lembretes para os produtores e roteiristas levarem em consideração antes de darem o azeite final no roteiro.
Bright, como o título em inglês sugere, é um filme que tem seus momentos brilhantes. Na minha humilde opinião o roteiro erra de forma poderosa em dois momentos, em dois pontos nevrálgicos, mas a fluidez narrativa não se compromete e, para quem está assistindo com um saco de pipoca na frente, com os olhos brilhantes e prendendo o fôlego esperando a “página virar” não vai estar nem ai para esses deslizes, sério.
Vale muito a pena assistir essa boa mistura de gêneros, como disse, é um NOIR FANTÁSTICO, com um drama bem urdido e é uma alegria ver a fantasia tão bem representada nas telas trazidas pela nosso, por hora, benfeitora Netflix.
Quando o nosso querido Brasil vai acordar para o Fantástico Jovem Adulto no audiovisual? Não sei. Só com uma varinha de condão para abrir a cabeça das produtoras que ainda estão fechadas, assustadas e quietinhas no seu cantinho esperando mais uma linha de crédito do governo para salvá-las.